Obra de Jaco Galtran.
A DERROTA DO AMOR - CAP. 03
"Amanhecera. Laysy
sentia-se desconfortável. Fora tomada, dominada, abusada de formas que ela
jamais imaginou ser possível. Cada fibra de seu corpo latejava em sinal de
protesto. Sentiu certo asco quando se olhou no espelho. Não pelos cabelos
desgrenhados, nem pelas olheiras acusando a noite mal-dormida, mas por ter
permitido que sua alma e suas convicções de fidelidade fossem violentadas.
Tentou convencer a si mesma que tudo aquilo tinha sido por amor repetindo a si
mesma “O amor vai vencer”. Aprumou-se, penteou-se, lavou o rosto, e pediu ao
lorde que a deixasse tomar banho. Cavilán assentiu, indicou uma porta que
levava ao banheiro, e disse que enquanto isso daria início aos preparativos da
cerimônia.
Duas horas se
passaram e tudo já estava pronto. Desta vez, o aposento era outro. Havia apenas
um grande altar. Na parede principal, a imagem de uma mulher, a mais linda e
voluptuosa delas, nua, sentada em um trono. Laysy fez força para não cair de
joelhos e adorar tamanha beleza. Nas demais paredes, imagens retratando casais
em momentos de intimidade, mulheres sendo sodomizadas por vários homens ao
mesmo tempo, crianças tomando vinho e outras bebidas, jovens consumindo ervas
alucinógenas, e até idosos sucumbindo aos prazeres da carne. Algumas pinturas
mostravam mulheres junto a mulheres, e homens junto a homens realizando seus
prazeres mais ocultos sem nenhum pudor. Tudo reproduzido com uma riqueza de
detalhes impressionante. A jovem sentiu seu corpo reagir àquelas figuras e
perdeu o controle sobre si mesma, desejando fazer parte daquela paisagem e
entregar-se à luxúria. Pensou em Kilgard, em quanto o amava, e o quanto
batalhou para ter aquela chance. “O amor vai vencer”, pensava, lutando contra o
que seu corpo sentia.
- Aquela é a deusa
Kundaline – Cavilán, ajoelhado, apontou para a mulher sentada no trono.
Laysy prostrou-se
imediatamente e foi tomada por uma vontade irresistível de beijar os pés santos
daquela deusa, e depois beijar mais e mais partes de seu corpo. Baixou a cabeça
até o chão em sinal de reverência, mas também porque não queria mais ver
aquilo. Queria apenas pensar em rever seu amado. Em poder reencontrá-lo, em
sentir outra vez o calor de seu abraço, em poder tocar seus lábios de novo.
Queria somente olhar fundo dentro daqueles olhos negros, ver à sua frente
aquele sorriso inocente, ouvir aquela voz grave e decidida. Todas aquelas sensações
vulgares que a invadiram eram um mal necessário, para que, no fim, o amor
triunfasse. Sim, o amor iria vencer.
Lorde Cavilán
colocou sobre o altar um jarro de vinho como sinal de oferenda. Começou a
recitar litanias e entoar cânticos. Levantou-se, despiu-se, aproximou-se mais
do altar e voltou a se prostrar. Mais litanias, mais louvores, mais gestos
cerimoniais que não faziam sentido para Laysy. Mais demora e mais angústia. Mas
enfim, o milagre seria solicitado.
- Rainha dos
Deuses. Prostro-me humildemente ante sua grandeza pedindo-lhe mais uma
demonstração de sua graça, glória, poder e soberania. Manifesta sua onipotência
realizando meu desejo. Concede-nos a graça que, nós teus servos, mortais, não
conseguimos por nós mesmos. Ressuscita o jovem Kilgard. Atende meu desejo,
minha soberana absoluta. Realiza o milagre.
Houve um clarão
imenso que cegou a todos por longos minutos.
***
Por longos meses,
chuvas torrenciais castigaram aquele povo. O sol já não era visto há muito
tempo. As ocasionais aparições da lua em madrugadas tempestuosas pareciam ser
os olhos castanhos dos deuses do amor derramando lágrimas sobre o mundo dos
mortais. Os pássaros não mais cantarolavam durante o amanhecer, as corujas não
piavam quando anoitecia, e os horizontes pareciam estar condenados a serem
eternos borrões cinzentos.
Laysy chorou por
semanas. Os deuses haviam dito “não” a seu pedido. O milagre não se realizou.
Os esforços e as humilhações foram todos em vão. O amor fora derrotado. Kilgard
jamais voltaria a vida.
E deste pesadelo, ela não acordaria.
***
Escuridão, e nada
mais. Ela estava assustada. Calafrios, e a inquietante certeza de estar sendo
seguida. O medo de olhar para trás era maior do que a curiosidade de saber onde
estava, ou quem a seguia. Até que uma voz familiar fez seu coração explodir.
- Laysy...
Virou-se e viu luz.
De frente a ela, simplesmente o rosto que ela suplicou aos deuses poder voltar
a ver. Kilgard.
- Agora que nos
reencontramos... Quero lhe dizer adeus...
- Kilgard, meu
amor, não diga isso. Você está aqui de novo. Ficaremos juntos para sempre.
O sorriso inocente
dele parecia inabalável.
- Chegou a hora de
você seguir seu caminho sem mim.
- Não, meu amor.
Sem você a vida não tem sentido – Laysy começou a chorar de desespero. Não era assim
que ela imaginava o reencontro.
- Você é jovem. Tem
muito pela frente. Está na hora de voltar a se apaixonar.
- Não – ela gritou
até faltar o ar – É você que eu quero. Se não for você, não será ninguém.
Laysy se
descontrolou e não conseguiu mais falar. Kilgard continuou.
- Eu ficaria muito
feliz se visse você sorrindo de novo.
- Por que está
dizendo isso? Você não sente minha falta? Você já me esqueceu?
- Você sabe que eu
jamais poderei te esquecer. Só os deuses sabem o quanto você sofre por ainda me
amar. Há muita coisa que eu gostaria de ter dito a você.
Laysy era apenas
descontrole e lágrimas. Soluçava compulsivamente, tentava achar as palavras
para interromper seu amado, para convencê-lo a não abandoná-la, ou a levá-la
com ele, mas não conseguia falar. Havia um nó na garganta que dificultava a
respiração e a fala. Só restava ouvir.
- Você é quem eu
mais amo, minha flor. Não lamente pela minha vida que se foi. Cada vez que você
fala de mim, ou pensa em mim, eu me sinto vivo novamente. Mas quando você
chora, é como se eu morresse outra vez.
Kilgard começou a
se afastar. Sua voz foi ficando mais distante. A luz ao redor dele foi se
apagando.
- Não me deixe! –
Laysy gritava a plenos pulmões – Não me deixe, eu imploro.
- Agora que vamos
nos despedir para sempre, quero que saiba que cuidarei de você lá de cima. Vou
proteger seus sonhos, iluminar suas noites e enxugar suas lágrimas. Quando você
ouvir o vento bater em sua janela, será meu espírito vindo te dizer “boa
noite”. Vou espantar seus medos. E vou te esperar.
- Não Kilgard, não
faça isso – desespero, pranto e gritos – E Kirahn? E nosso filho? Ele precisa
de você. Eu preciso.
- Os deuses
cuidarão dele. Eu tenho que ir. Volte a se apaixonar. E, por favor, não chore.
A voz de Kilgard
ficou distante. A escuridão deu lugar a uma noite enluarada. A imagem dele foi
desaparecendo.
- Olhe para o céu,
e você me verá de novo. Nunca me esqueça. Porque eu...
Naquele instante
uma estrela no céu brilhou mais forte.
- Eu nunca te
esquecerei. "
Fim.
____________________________________
N/R: Bem amigos, chegou ao fim esta incrível obra.
Não sei se vocês gostaram, mas eu honestamente amei esse texto. Acho que principalmente por este final surpreendente.
Então estou usando esse pequeno N/R para agradecer a todos vocês que leram "A Derrota do Amor". E também para parabenizar meu amigo Jaco Galtran que autorizou a publicação da série aqui no FB.
Esse não é um adeus. Quem sabe em um futuro próximo não veremos outra obra dele aqui em nosso blog?
Enquanto isso, vocês podem ir conhecer o blog dele: Contos de RPG
Até a próxima. :D
Quanto sentimento!!
ResponderExcluirEu acho que senti vários deles!!
Você escreve muito, muito bem!
Parabéns!
É mesmo, Rossana. O final ficou muito bonito. Cheio de amor.
ExcluirAchei intensa a parte que ele diz que quando ela sentir o vento na janela, seria o espírito dele dizendo boa noite. Que poético, isso!
ExcluirParabéns!!!
Nós é que agradecemos por ter postado. O autor escreve muito bem. Eu gostei muito.
ResponderExcluirQue isso não seja um adeus, mas sim um ATÉ LOGO. Que possamos acompanhar aqui mais histórias do Jaco.
ExcluirAbraço!!!
Muito sucesso...
http://ymaia.blogspot.com.br/